Arthur Schnitzler, o duplo de Sigmund Freud, dissecando a alma humana

Arthur Schnitzler é um autor bastante conhecido e traduzido no Brasil, famoso também pela adaptação cinematográfica de seu Breve romance de sonhos [Traumnovelle] por Stanley Kubrick: “De olhos bem fechados” [Eyes Wide Shut], de 1999, com Tom Cruise e Nicole Kidman nos papéis principais.

Na Áustria, Schnitzler é presença constante nos palcos, sendo autor de uma vasta produção
dramática repleta de questionamentos e nuances psicológicas. Entre suas peças mais instigantes está Das weite Land (A Vastidão), atualmente em cartaz no Akademietheater, um dos espaços cênicos do renomado Burgtheater. Classificada como uma tragicomédia, a peça mergulha no universo da burguesia, onde diálogos aparentemente banais revelam, nas entrelinhas, a complexidade e a profundidade da alma humana, seus desejos, fracassos e suas esperanças. Em 1987, o cineasta suíço Luc Bondy adaptou o texto dramático de Schnitzler para o cinema. E ainda em 2025, teremos uma nova montagem para outro teatro de Viena, o Josephstadt.

A trama tem início com o suicídio de um pianista, suposto amante de Genia, esposa do industrial Friedrich Hofreiter, ele próprio envolvido em traições constantes. Como um cirurgião habilidoso, Schnitzler disseca as relações amorosas, os impulsos eróticos e as amizades de sua época, expondo as contradições e ambiguidades das conexões humanas sem oferecer soluções ou julgamentos. Poucos escritores conseguiram iluminar as lógicas paradoxais das relações íntimas com tamanha perspicácia. Vale atenção também aos papéis femininos de Schnitzler, as mulheres não apenas participam igualmente dos jogos de sedução e traição, mas geralmente possuem mais objetividade e capacidade de compreensão das lógicas das relações humanas.

Na montagem atual no Akademietheater, não vemos um cenário ou atuações em estilo realista, mas uma interpretação estilizada. A ação se desenrola em frente de uma cortina preta, há apenas três poltronas no palco, os atores entram e saem pela cortina, acentuando o caráter quase marionético de seus personagens. Michael Maertens, no papel de Friedrich Hofreiter, ganhou o Prêmio Nestroy como melhor ator em 2023. No site do Burgtheater, você pode ver algumas fotos e o trailer, assim como mais informações técnicas da montagem atual.

Arthur Schnitzler é também assunto de algumas pesquisas desenvolvidas no Centro Austríaco – em breve lançaremos um verbete sobre esse autor. Além disso, partes da peça Der Reigen (A Ciranda) foram traduzidas por Deborah Raymann como parte de sua dissertação de mestrado, disponível no acervo digital da UFPR.

Buch Wien: A Feira do Livro de Viena

A Buch Wien, a maior feira literária de Viena, terminou no dia 24 de novembro. Durante quatro dias intensos, visitantes tiveram a chance de explorar o trabalho de várias editoras — das mais consagradas às independentes — e participar de encontros com renomados autores e autoras como Robert Menasse, Arno Geiger, Barbara Zeman, Doris Knecht, Valerie Fritsch, Elias Hirschl e Reinhard Kaiser-Mühlecker.

As novas publicações da obra riquíssima de Maria Lazar tiveram um destaque especial. A autora teve muito sucesso nos anos 1930 e, após ser exilada e ter suas obras queimadas pelo nazismo, foi redescoberta apenas alguns anos atrás, graças à editora Das vergessene Buch [O livro esquecido]. Já publicamos sobre essa editora no nosso blog. Agora, não apenas os romances de Maria Lazar estão sendo reeditados, mas também sua obra dramática; suas peças são atualmente encenadas em diversos teatros de língua alemã e sua obra ganha novos olhares acadêmicos, incluindo no Brasil (UFPR, Curso de Letras) e nos EUA. Na biblioteca do Centro Austríaco temos alguns títulos publicados pela editora Das vergessene Buch, inclusive de Maria Lazar, disponíveis para empréstimo.

Outro momento marcante foi o lançamento do livro Und einige Herren sagten etwas dazu:
Die Autorinnen der Gruppe 47
[E alguns senhores disseram alguma coisa a respeito: as
autoras do Grupo 47] de Nicole Seifert, que resgata autoras e obras literárias importantes,
mas que foram esquecidas pela história literária.

A Casa de Bonecas em foco: Viena, Berlim e Campinas

Já ouviu falar de Henrik Ibsen e sua peça Casa de Bonecas, de 1878? No final, a protagonista Nora deixa a “casa de bonecas”, onde mora com seu marido e seus filhos, para enfrentar uma vida autodeterminada – essa decisão ousada de Nora (estamos nos finais do século XIX!) e a falta de pistas sobre o que poderia acontecer quando uma mulher assume as rédeas de sua própria vida causaram, aliás, um enorme escândalo na época da estreia dessa famosa peça.

Se você segue o Centro Austríaco da UFPR ou a Editora Temporal, já deve ter ouvido falar do livro que a dramaturga austríaca Elfriede Jelinek escreveu para apresentar a visão dela sobre o destino de Nora. A peça O que aconteceu após Nora deixar a Casa de Bonecas ou Pilares das Sociedades estreou em Viena em 1978, exatamente cem anos após a estreia da peça de Ibsen. Recentemente, foi traduzida pela equipe do Centro Austríaco e lançada como livro pela editora Temporal. Clique aqui para saber mais. Ou aproveite que no dia 26 de novembro o grupo “Die Deutschspieler”, da Unicamp, vai apresentar – pela última vez! – a montagem bilíngue dessa peça de Jelinek.


Jelinek não foi a única autora que pensou sobre o que aconteceu após Nora deixar a Casa de Bonecas. Recentemente, a jovem dramaturga israelense Sivan Bem Yishai, que está radicada em Berlim, lançou sua versão: Nora ou como compostar o Casarão [Nora oder wie man das Herrenhaus kompostiert], atualmente em cartaz no Deutsches Theater de Berlim (Sivan Bem Yishai escreveu o texto em inglês, a encenação baseia-se numa tradução da dramaturga austríaca Gerhild Steinbuch). Refletindo os debates dos nossos tempos, aqui a questão central não é o destino de Nora, mulher economicamente privilegiada da burguesia, mas todos os habitantes e frequentadores da Casa de Bonecas: desde a babá, a governanta e outros empregados, até a amiga de Nora e mãe solteira e o entregador de encomendas. Como já diz o título, trata-se de uma compostagem de uma casa de família, com muito ritmo e humor! Confira aqui o trailer dessa encenação:

Novo material didático sobre o bailarino Ismael Ivo

Esse material dedicado a Ismael Ivo explora a trajetória pessoal e profissional do mais influente bailarino e coreógrafo afro-brasileiro que já viveu. Ele desenvolveu a maior parte de sua carreira no exterior e alcançou a fama e o reconhecimento por seu trabalho em países como Áustria e Alemanha. Ele acreditava no poder transformador das artes e nas políticas inclusivas dentro da sociedade brasileira. Além do repertório linguístico para expressar os significados do ato de dançar na nossa vida pessoal, este material também traz como pano de fundo a questão de visibilidades dentro da nossa sociedade e a importância das artes para uma polifonia das vozes.  

Para conhecer nossos outros materiais clique aqui.

Abrem-se as cortinas! Visitas aos teatros de Viena

O Centro Austríaco começa uma nova série temática para explorar diferentes aspectos da vibrante vida teatral de Viena. A nossa coordenadora, Ruth Bohunovsky, está em Viena e frequenta seus teatros regularmente, e vamos compartilhar uma série de publicações no Instagram do Centro Austríaco com informações, insights e curiosidades do mundo teatral da cidade. Nas postagens, abordaremos desde os bastidores das produções e curiosidades históricas, até informações sobre peças em cartaz, debates e reflexões polêmicas sobre a cena teatral. Vamos falar sobre a história dos teatros, sobre clássicos e textos dramáticos modernos, diferentes estilos de encenação e até mesmo as adaptações de romances para o palco.

A série vai completar e dialogar com os nossos verbetes já disponíveis sobre dramaturgia austríaca (George Tabori, Clemens Setz, Wolfgang Bauer, Thomas Bernhard, Elfriede Jelinek e Peter Handke), em que apresentamos ao público brasileiro importantes autores teatrais e suas obras (parcialmente traduzidas para o português).

Você sabia que, em Viena, o teatro é visto não apenas como uma forma de arte, mas como uma maneira de viver e compreender a vida? As peças podem durar de uma a quatro horas, e uma ida ao teatro ou à ópera pode acontecer de smoking ou vestido de gala, mas também em jeans e bota de inverno. A programação inclui montagens grandiosas, leituras dramáticas intimistas, produções multimídia, encenações tradicionais ou subversivas dos grandes clássicos e de obras contemporâneas, tragédias hilárias e comédias sobre o fim do mundo? Os vienenses adoram conversar e polemizar sobre as peças em cartaz, e essas conversas acontecem tanto no bar do teatro durante os intervalos quanto nos jornais e em revistas especializadas, mas também em conversas informais com as amigas no café da esquina ou até com o cabeleireiro.

Atualmente, Viena conta com cerca de 70 teatros ativos, desde o maior e mais famoso de todos, o Burgtheater, até teatros menores e experimentais, como o teatro de fantoche Kabinetttheater, que produz peças do modernismo europeu. Há debates acalorados sobre atualizar peças clássicas de Shakespeare ou Goethe, se o elenco atual é melhor ou pior que o de antigamente, e se romances podem e devem ser adaptados para o palco – nos últimos meses, vimos, por exemplo, obras em prosa como “Holzfällen” de Thomas Bernhard, “Malina” de Ingeborg Bachmann, “Die Schachnovelle” de Stefan Zweig, “Der Zauberberg” de Thomas Mann e “Die Verwandlung” de Franz Kafka adaptadas para o teatro.

Obviamente, o teatro vienense se insere na tradição teatral dos outros países de língua alemã e, cada vez mais, em escala global. Antigamente, falava-se em “teatro nacional” com produções artísticas apenas em língua alemã. Hoje, vemos palcos com produções em várias línguas e perspectivas internacionais, com obras produzidas por encenadores de outros países que trazem novas ideias criativas para a literatura e o drama em alemão. Isso traz desafios para a tradução: temos legendagem em teatro, traduções projetadas no palco, elencos multilíngues que precisam de tradutores durante os ensaios, encenações que usam de propósito a não-compreensão como elemento chave de sua produção. Essa diversidade cultural e linguísticas se reflete na programação dos teatros da cidade, mas também no festival “Wiener Festwochen”, que atrai produções teatrais, musicais e de dança do mundo todo, inclusive do Brasil. Por exemplo, em 2020, foi a atriz brasileira Kay Sara quem deu a palestra de abertura do festival, que ocorreu online, devido à pandemia. E, na versão de 2023, o atual diretor do festival, Milo Rau, transferiu a obra “Antígona” de Sófocles para o Brasil contemporâneo e a encenou com participantes indígenas que lutam pela posse de terras (veja mais sobre esse projeto aqui).

A cena teatral dos países de língua alemã tem várias diferenças em relação ao Brasil. Os grandes teatros, como o Burgtheater e a Ópera de Viena, são instituições públicas com grande estabilidade financeira e de planejamento. Ao mesmo tempo, os teatros menores precisam se adaptar a editais e investir muita criatividade e flexibilidade para garantir a sobrevivência, mas apresentam igualmente produções de grande qualidade ao público da cidade e visitantes de outras regiões e países.

Venha nos acompanhar em nossa nova série temática, visitando alguns teatros de Viena (e, talvez, de outras cidades), conhecendo sua arquitetura, suas histórias, peças e montagens, curiosidades e debates atuais!

Evento em Tóquio discute obra de Elfriede Jelinek a partir de uma perspectiva global

O centro de pesquisa Interuniversitäre Forschungsnetzwerk Elfriede Jelinek organiza um evento sobre a obra da austríaca Elfriede Jelinek em Tóquio entre os dias 29/11/2024 e 01/12/2024. O simpósio Sprache.Macht.Gewalt – Elfriede Jelinek im globalen Kontext tem como objetivo tratar de temas centrais na obra da autora, como linguagem, poder e violência, a partir de uma perspectiva global, considerando vários contextos culturais. Entre os temas que serão discutidos estão discriminação, marginalização e exclusão nos textos da autora.

Uma das presenças confirmadas é de Ruth Bohunovsky, coordenadora do Centro Austríaco. Além dela, estarão presentes Cezar Constantinescu, Uta Degner, Raphaela Edelbauer, Karoline Exner, Asako Fukuoka, Reika Hane, Pia Janke, Britta Kallin, Takashi Kawashima, Arati Kumari, Monika Meister, Arno Mitterdorfer, Mai Miyake, Keiko Nagakome, Kazuko Okamoto, Christian Schenkermayr, Paulina Schmid-Schutti, Chiaki Soma e Akira Takayama.

Clique aqui para mais informações.

Novas publicações acadêmicas ampliam fortuna crítica sobre Elfriede Jelinek no Brasil

Três revistas acadêmicas trazem novos artigos sobre a obra de Elfriede Jelinek no Brasil, ampliando a recepção e a fortuna crítica da obra da escritora austríaca no país.

O artigo “zum Theater: Estética teatral e ensaísmo em Elfriede Jelinek à luz de duas peças“, de Helena Maia e Ruth Bohunovsky, publicado na revista Pandaemonium Germanicum, traz uma discussão sobre a estética teatral da autora austríaca Elfriede Jelinek e algumas de suas mudanças mais relevantes ao longo das décadas.

‘Suplicantes’, de Elfriede Jelinek: a tradução do gênero em uma perspectiva feminista“, de Gisele Eberspächer, publicado na revista Caligrama, tem como objetivo pensar a tradução do gênero gramatical na prática, apresentando um projeto de tradução do texto de Elfriede Jelinek para o português.

Por fim, a revista Dramaturgias apresenta o Dossiê Elfriede Jelinek, com textos da autora e textos críticos traduzidos por Anabela Mendes et all.

Inscrições abertas para a bolsa Franz Werfel

Estão abertas as inscrições para a bolsa Franz Werfel para pesquisas de linguística e literatura na Áustria. O público alvo são professores universitários de língua alemã e literatura austríaca. A bolsa tem o valor de € 2,5 mil mensais por até nove meses.

Veja mais informações aqui.

Ruth Bohunovsky, a coordenadora do Centro Austríaco, escreveu uma resenha do livro Mehrsprachigkeit –Polyphonie (Org. Renata Cornejo e Tamás Lénárt, publicado pela Praesens Verlag, de Viena, em 2024), uma coletânea de artigos produzidos por ex-bolsistas do Programa Franz Werfel – o texto, assim como um livro, apresenta a abrangência de pesquisas que já foram contempladas pelo projeto.



Divulgação: Evento “Tradução com Poesia” acontece na UFPR nos dias 21 e 22 de novembro

O evento “Tradução com Poesia” acontece entre os dias 21 e 22 novembro na UFPR, em Curitiba, e conta com a presença das professoras Érica Lima (Unicamp), Patrícia Peterle (UFSC) e do professor André Carone (UNIFESP) – além de apresentação de alunos da graduação e da pós-graduação da UFPR. As inscrições podem ser feitas por este link.

Editora Ercolano lança livro da escritora autro-húngara Wanda von Sacher-Masoch

A Editora Ercolano lança a coleção de contos “Damas de casaco de pele e chicote” da escritora austro-húngara Wanda von Sacher-Masoch (1845-1906). A obra, até então inédita em português, foi traduzida por Karina Jannini.

O evento de lançamento ocorre na livraria Gato sem Rabo, em São Paulo, às 19h no dia 31 de outubro de 2024, e conta com a presença da tradutora Karina Jannini, da pesquisadora Mariana Holms, que assina o texto de orelha do livro, e será mediado por Maria Carolina Casati.

 A obra de Wanda von Sacher-Masoch convida os leitores a explorar as complexas e enigmáticas personagens femininas que desafiam as normas de gênero e poder da sociedade do século XIX.

Wanda, que durante muito tempo esteve à sombra das representações masculinas, rompeu com essas limitações para criar suas próprias narrativas, trazendo à tona dinâmicas sociais e sexuais em que as mulheres assumem o controle. Suas personagens fundem dualidades: são ao mesmo tempo angelicais e celestes, ardentes e diabólicas; vestem-se de seda branca e também se cobrem de peles vermelhas ou pretas. Inteligentes e politicamente engajadas, não temem usar o humor para desmascarar a hipocrisia e a mediocridade dos homens e da sociedade que as cerca.

Contrariando a famosa teoria de Freud sobre o masoquismo feminino, a seleção dos contos de Damas de casaco de pele e chicotes, estabelecida por Christa Gürtler, destacam o sadismo em resposta às estruturas patriarcais opressivas. As protagonistas de Wanda são mulheres que, após serem forçadas a casamentos arranjados, encontram na viuvez uma liberdade que as permite revidar àqueles que tentaram dominá-las. Em um cenário onde o amor pode ser uma armadilha, essas mulheres escolhem a força e a vingança como formas de sobrevivência e resistência.

Mais informações podem ser encontradas no site da editora.

Texto escrito com informações de assessoria de imprensa.