Em 2019, Peter Handke ganhou o Prêmio Nobel de Literatura – uma notícia divulgada no mundo todo. Mas na própria Áustria há também uma série de prêmios literários que são outorgados para homenagear autores renomados, estimular jovens talentos ou dar visibilidade a obras de destaque. A seguir, juntamos informações e curiosidades sobre alguns desses prêmios e seus vencedores do ano de 2020, oferecendo assim uma pequena retrospectiva sobre o cenário literário austríaco nesse ano distante de qualquer normalidade.

Começamos com o escritor que, no entender de muitos (“As evil as Nabokov, as virtuosic as David Foster Wallace“, Welt am Sonntag; “One of the highest hopes of German literature“. Frankfurter Allgemeine Zeitung), é o autor mais promissor no cenário da literatura austríaca atual: Clemens Setz, nascido em 1982 e autor de diversos livros; entre eles, Die Stunde zwischen Frau und Gitarre [A hora entre mulher e violão, em tradução livre], um romance de aprox.. 1000 páginas que trata de um stalker, de raiva e vingança e dos abismos cotidianos. Já ganhou vários prêmios para literatura; em 2020, foram dois prêmios alemães: O Jakob-Wassermann-Literaturpreis e o importante Prêmio Kleist. Setz é também tradutor, além de autor de prosa e textos teatrais. Após sair, em 2019, uma coletânea de contos, com personagens que sempre se encontram na fronteira entre a “normalidade” e algum “desvio psíquico” (Der Trost runder Dinger [O consolo das coisas redondas]), publicou recentemente um livro não ficcional sobre línguas planejadas (Die Bienen und das Unsichtbare [As abelhas e o invisível, em tradução livre]). Veja aqui mais informações e alguns trechos de O consolo das coisas redondas em português.

O Prêmio Nacional da Áustria para Literatura Europeia foi outorgado este ano ao escritor esloveno Drago Jančar. Além do presidente austríaco Alexander van der Bellen, estava presente na premiação o escritor Peter Handke, contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2019 e que atua também como tradutor do francês e do esloveno.

O Prêmio Austríaco do Livro (Österreichischer Buchpreis) de 2020 foi concedido ao escritor Xaver Bayer, para seu livro Geschichten mit Marianne [Histórias com Marianne, em tradução livre]. Um livro nada convencional, de humor ácido e grande comicidade que começa com as seguintes palavras; “Hoje, Marianne parecer ter planos especiais para mim. Percebo isso assim que ela me acorda, um tanto rude, com vários tapas na cara”. São vinte contos que tratam das
“brincadeiras”, nem sempre inocente e bem-intencionadas, de um casal. A competição lúdica em que os dois entram é muito mais perigosa do que aparenta, as reviravoltas são as piores possível e o fim trágico. A júri responsável pela atribuição do prêmio defendeu que “Xaver Bayer ilumina os espaços do medo dos nossos tempos com um humor raivoso e muitas vezes melancólico”. Mais sobre Xaver Bayer aqui, num artigo do jornal Der Standard em ocasião de sua premiação.

Na categoria Literatura, o Prêmio Austríaco para as Artes foi concedido em 2020 para Kathrin Röggla. Autora austríaca de prosa, drama, ensaios, instalações artísticas e peças radiofônicas, ela mora em Berlim e é bastante ativa no mundo literário e artístico da Alemanha. Seu último livro de prosa saiu em 2017, Nachtsendung: unheimliche Geschichten [Programa noturno: histórias infamiliares, em tradução livre]: Um congressista que desaparece. Um avião que não decola. Uma ilha que se extingue. Uma criança instaura uma ditadura. A violência que eclode. São as pequenos absurdos e rupturas no cotidiano que dominam a literatura de Röggla.
O Prêmio Veza-Canetti, outorgado pela prefeitura de Viena, foi criado em 2014, em homenagem à esposa do famoso Elias Canetti e no intuito de valorizar e dar visibilidade a escritoras que são de ou moram em Viena. Veza era amiga de Karl Kraus, tradutora e escritora, além de “conselheira literária” de seu marido. Durante toda sua vida e nas décadas posteriores, ficou na sombra de seu renomado companheiro, não publicou nada enquanto vivia e não há nenhuma menção sobre sua atividade literária na autobiografia de Elias Canetti. Veza morreu em 1963 e foi apenas em 1990 que Elias Canetti autorizou que fossem publicados alguns escritos da esposa (veja aqui informações em inglês sobre uma biografia dessa autora recém “descoberta”). No Brasil, saiu em 1992 A rua amarela, de autoria de Veza. Em 2020, a vencedora do prêmio Veza-Canetti foi Elisabeth Reichart, autora de textos feministas de diversos gêneros e que tratam, entre outros assuntos, sobre o passado nazista de seu país.

O Prêmio Nestroy é concedido todo ano em várias categorias do mundo teatral, desde a melhor peça até a melhor produção alternativa. Em 2020, um ano extremamente difícil para os teatros – que ficaram, durante muitos meses, de portas fechadas –, o prêmio para a melhor peça foi para Schwarzwasser [Água de esgoto, em tradução livre], de Elfriede Jelinek. A obra leva ao palco o maior escândalo político da Áustria dos últimos anos, responsável pela dissolução do governo em 2019: o “caso Ibiza”. Além disso, em 2020, foi criada uma categoria nova do Prêmio Nestroy: Prêmio Especial Corona. Foram premiadas produções em formatos inovadores e experimentais: uma performance interativa em forma de filme, uma peça de teatro via ZOOM; leituras online que saem da sala de estar dos atores/das atrizes e chegam nas salas de estar dos espectadores; vídeos com monólogos escritos por autores austríacos em 2020 e lidos por atores do grande Burgtheater. Para mais informações: https://www.nestroypreis.at/