por Cristiane Bachmann
Manhã
No outono lá se alinha o
vento das fadas
enquanto na neve as
crinas sacodem.
Melros cantam forte
ao vento e comem.
(Ernst Herbeck. Tradução: Cristiane Bachmann)
Estes versos, os primeiros compostos por Ernst Herbeck, figuravam ao lado de outros 82 poemas que marcaram sua estreia literária, em 1966. De imediato, Herbeck causou forte impressão na cena intelectual de língua alemã, chamando a atenção de escritores como Elfriede Mayröcker, Ernst Jandl, Gerhard Roth, Elfriede Jelinek e W. G. Sebald. No entanto, esses textos iniciais não compunham uma antologia poética, mas sim um estudo na área médica: o livro Schizophrenie und Sprache (“Esquizofrenia e linguagem”), do psiquiatra, psicólogo e antropólogo Leo Navratil.

Tão impressionante quanto sua poesia foi sua trajetória de vida. Desde a infância, Herbeck (Stockerau, 1920–Gugging 1991) esteve familiarizado com o ambiente hospitalar. Por ter nascido com um caso grave de fissura labiopalatina, ele precisou passar por diversas intervenções cirúrgicas, que nunca chegaram a resolver sua dificuldade de articular a fala.
Na juventude, a catástrofe da Segunda Guerra Mundial impactaria sua vida de modo definitivo. Recrutado pelo exército nazista alemão, Herbeck adoeceu psiquicamente. Ao fim do conflito, vagando desorientado pelos arredores de Viena, ele foi detido pela polícia e depois transferido para o hospital psiquiátrico de Maria Gugging, onde permaneceu internado até o fim da sua vida, sob diagnóstico de esquizofrenia.
Foi ali que Herbeck se tornou poeta, motivado por Leo Navratil (que desenvolveu um método de tratamento envolvendo o estímulo da criatividade de seus pacientes). Sua produção foi intensa, tendo-nos deixado um espólio literário de cerca de 1.700 manuscritos, entre poemas e textos curtos em prosa, hoje conservados na Biblioteca Nacional da Áustria. Parte de sua obra foi editada e publicada em várias antologias. O escritor não só teve boa recepção na Áustria, onde mais de 10 mil exemplares de seus livros foram vendidos, como também tem sido objeto de interesse para além das fronteiras de seu país de origem, motivando estudos em múltiplos campos de interesse e em diversos países.
Seus poemas, que já receberam traduções para o inglês, o francês, o holandês, o sueco, o húngaro e o japonês, agora podem ser conhecidos também pelo público brasileiro: em minha dissertação de mestrado, apresento uma análise de sua obra e uma discussão teórica sobre os procedimentos tradutórios que emprego para verter 50 de seus poemas para a língua portuguesa. O trabalho encontra-se disponível aqui: http://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/61889.