As traduções realizadas no âmbito do Centro Austríaco são colaborativas. Leia aqui um pequeno texto de Daniel Martineschen, tradutor e pesquisador de tradução (UFSC), sobre as características e vantagens desse modelo.
Traduzir é, tradicionalmente, uma atividade solitária. A pessoa que traduz lê o texto dezenas de vezes, consulta dicionários, glossários, anotações, e escreve sozinha – muitas vezes madrugada adentro… Mas será que tem que ser assim mesmo? Muitos dos erros e falhas que existem nas traduções, desde suas primeiras versões até mesmo nas provas finais antes da impressão, ocorrem tanto por distração do tradutor (causada por cansaço, desatenção ou pressa) quanto por falhas de interpretação, ou ainda quando aquela boa sacada, aquela boa solução não vem à mente. Aí, nas fases de cotejo, preparação e revisão muitas vezes é necessário muito trabalho (e retrabalho!) para resolver essas falhas, que muitas vezes são banais.
Quando mais pessoas traduzem juntas, acrescenta-se mais “olhos” e “cérebros” contemplando esse trabalho, e algumas características positivas se sobressaem. O tempo é muitas vezes reduzido, pois é possível dividir o texto entre os membros da equipe e assim paralelizar o trabalho de tradução. Além disso, a revisão (mútua) de trechos menores permite identificar problemas textuais já no início. A troca de ideias (ou “brainstorming”) que acontece nas reuniões da equipe é terreno fértil para soluções criativas, reorganização do ritmo de trabalho e aumento da coesão da equipe. Uma desvantagem da tradução em grupo é que em geral os membros devem ter um grau mínimo de prática em tradução, caso contrário o ganho temporal na paralelização do trabalho não é significativo e não justifica o esforço de coordenar um grupo.
As duas modalidades descritas acima pressupõem uma execução alternada das etapas do trabalho, ou seja, um membro precisa terminar sua parte para que o outro a revise, e assim por diante. Mas quando duas ou mais pessoas trabalham ao mesmo tempo numa tradução, o trabalho acontece de maneira muito diferente – e interessante! No trabalho de tradução pareada – em que um membro digita e outro acompanha/revisa em tempo real -, o texto traduzido, já no momento da sua escrita, passa pelo crivo simultâneo de dois cérebros, dois pares de olhos, duas experiências tradutórias, e é mais fácil eliminar erros de digitação, distração e mesmo de compreensão já na raiz. Apesar de parecer contra-intuitivo, o tempototal também é reduzido com relação ao trabalho individual, pois o texto já estará num estado mais próximo do final, sem falhas e problemas mais banais. A responsabilidade por e a autoria da tradução nessa modalidade são compartilhadas.
Se o grupo que traduz tem três ou mais integrantes, a atividade já se torna mais complexa pela necessidade maior de coordenação, mas também produz um texto interessante. Neste caso, o brainstorming se potencializa se cada integrante faz uma tradução prévia do mesmo texto, e no encontro do grupo todos criam uma solução mista, que também deve ser digitada por apenas um integrante – mas lida por todos. Uma videoconferência é uma forma bastante eficaz de realizar essa modalidade de tradução colaborativa – além disso, se gravada, essa sessão pode ser utilizada como material didático para formação de tradutores.
Há ainda mais formas de tradução colaborativa, como as realizadas no âmbito da Wikipédia, por meio de ferramentas CAT (Computer-Aided Translation) que permitem compartilhamento de glossários e memórias de tradução, entre outras. Aqui delineamos algumas dessas formas, e no próximo texto traremos exemplos de caso de aplicação de algumas modalidades, como a tradução pareada e a tradução em grupo simultâneo, com seus resultados bons – e seus problemas também.