Nas primeiras décadas do século XIX, a comunidade intelectual da Áustria levava uma vida social intensa. Estar presente nos círculos sociais – sobretudo no sentido físico – era fundamental tanto para discussões artísticas, políticas e ideológicas quanto para satirizá-las. Os cafés, até hoje símbolos da vida burguesa e intelectual vienense, eram antros de poetas, pintores, atores e músicos que se engajavam politicamente. Outros, mais interessados em questões artísticas, preferiam os salões literários, onde declamavam poesia, encenavam peças teatrais e tocavam música.

Em algum ponto de 1819, um escritor e funcionário público vienense Ignaz Franz Castelli se cansou da vida típica de seus contemporâneos e resolveu reunir alguns amigos para zombar da vida dos cafés e de todo seu engajamento contrário às práticas do governo dos Habsburgos. Castelli era conhecido principalmente pela sua produção literária cômica, além de ter sido um ilustre representante de literatura pornográfica e erótica. Nem todos os seus amigos seguiam o mesmo caminho e muitos mantinham suas produções cômicas engavetadas. Dessa união de homens dispostos a rir e satirizar Viena e a burguesia local – incluindo eles próprios –, surgiu um grupo repleto de mistério, lendas e preocupações: a Ludlamshöhle (Caverna de Ludlam).

Wien Museum, Inventarnummer W 7403

O grupo não tinha absolutamente qualquer objetivo prático, fosse ele político ou artístico. O próprio nome era arbitrário: Ludlamshöhle era meramente o título de uma peça que tivera uma péssima bilheteria naquele ano. Os membros, que iam de progressistas a reacionários, mas essencialmente burgueses, se encontravam nos fundos de uma taverna. Esse ambiente era um símbolo para um dos poucos objetivos claros: se apresentarem como “anti-cafés”. Estranhamente, a Ludlamshöhle foi um sucesso e teve diversos adeptos, incluindo escritores de grande prestígio. Para entrar na sociedade, devia-se cumprir um ritual de iniciação, que consistia em uma prova de conhecimentos das áreas “história ludlamita”, “economia ludlamita” e “ciências fúteis”. Ao passar na prova, recebia-se um “nome ludlâmico”, fictício e cômico, e cantavam-se músicas do grupo. O cartão de associado era um cardápio sujo da taverna.

Apesar da total ausência de seriedade dos ludlamitas, o grupo era tão obscuro para quem estava de fora que se iniciaram em toda a cidade rumores e lendas sobre as reuniões. Temia-se um possível grupo revolucionário, caótico, contrário ao governo autoritário e censurador de Metternich. Na noite de 18 de abril de 1826, a polícia vienense classificou a sociedade como uma ameaça ao Estado, invadiu uma das reuniões, prendeu os presentes e confiscou alguns supostos documentos que “comprovavam” ideais contrários ao governo. As casas dos membros também foram

arrombadas e investigadas, os vizinhos interrogados e as “provas” levadas à polícia. Todo esse exagero intensificou os mitos sobre o Ludlamshöhle e alguns dos membros continuaram perseguidos e espionados pelas autoridades durante anos. É claro que as empreitadas investigativas não foram lá muito bem sucedidas – muitas vezes, simplesmente não havia o que achar.

Para encerrar, trago um texto satírico escrito pelo dramaturgo Franz Grillparzer (1791-1872), cujo nome ludlamita era Saphokles, o Ístrio.

Polimestre (1836)

Começarei com o mais simples: que pode ser mais simples que o Nada? Falo do Nada, o primeiro, o mais simples, o conceito primordial. E agora, atenção. O que é Nada? Para além de não ser nada, é ao mesmo tempo o negar. Tendo já conquistado a negação, continuarei operando a partir dela. Primeiro, nego o Nada: Não-Nada. Não-Nada é Algo. Vedes a semente da qual o mundo há de emergir? Mas, calma! O melhor está por vir. Sigo negando e agora maltrato o Algo. Eu o nego. Não-Algo. Não seria Não-Algo, talvez, Nada? De modo algum! O Algo não se permite, uma vez lá, ser levado embora. Algo não pode não mais ser. Mas o que é Algo? Algo é um não muito, um restrito. Portanto, se eu nego o Algo restrito, e não posso dessa forma eliminar o Algo, o que estou negando? A restrição. Não-Algo é o Algo irrestrito, o Tudo. Tudo é o Mundo. Eu, consequentemente, criei o Mundo, como Deus, a partir do Nada. Pegai-lo, ide passear nele, relaxai, reanimai. Vós tendes o Mundo, eu vos presenteio com ele.

(Tradução por Everton Bernardes)

Polymaster (1836)

Ich fange mit dem Einfachsten an: Was kann einfacher sein als Nichts. Ich sage also Nichts, der erste, einfachste, der Urbegriff. Und nun geben sie acht. Was ist Nichts? Nebstdem dass er gas nichts ist, ist es zugleich die Verneinung. Ich habe also schon die Negation erobert und operiere damit fort. Zuerst also negiere ich das Nichts: Nicht – Nichts. Nicht – Nichts ist Etwas. Sehen Sie das Samenkorn aus dem die Welt hervorgehen wird? Aber Geduld! Es soll schon besser kommen. Ich negiere weiter und maltraitiere nun das Etwas. Ich negiere es. Nicht – Etwas. Wäre Nicht – Etwas vielleicht Nichts? Keineswegs! Das Etwas lässt sich nicht wegbringen wenn es einmal da ist. Etwas kann nicht zu nichts werden. Aber was ist Etwas? Etwas ist ein nicht Vieles, ein Beschränktes. Wenn ich daher das beschränkte Etwas negier, und kann damit das Etwas nicht wegschaffen, was negiere ich denn? Die Beschränkung. Nicht – Etwas ist das unbeschränkte Etwas, das Alles. Alles ist die Welt. Ich habe somit die Welt erschaffen, wie Gott aus Nichts. Nehmt sie, geht darin spazieren, erholt euch, erquickt euch. Ihr habt die Welt, ich schenke sie euch.

Referências:

CASTELLI, Franz I. Memoiren meines Lebens. 2: Von Jahre 1814 bis zum Jahre 1830. Viena: Kober & Markgraf, 1861.

HOLZINGER, Dieter O. (org.) Franz Grillparzer – Der Zauberflöte zweiter Teil und andere Satiren. Berndorf: KRAL Verlag, 2006.

Deixe um comentário