Verbete produzido por Gabriel Munhoz de Mello
Clique aqui para acessar o material completo em pdf.

“A linguagem é meu sistema operacional.” Clemens Setz em entrevista com Maja Ellmenreich, 20 de
julho de 2021. Disponível em https://www.deutschlandfunk.de/buechner-preistraeger-clemens-j-setzsprache-
ist-mein-100.html
ADAM: É, com certeza. Já tinha ouvido
falar de alguns suicídios, mas nunca
um negócio desses. Sempre achei que
nada ia superar aquela história do
cachorro.
WALTER: Vou tentar telefonar.
ADAM: Vai mesmo?
WALTER [digitando no celular, se
interrompendo]: Qual história do
cachorro?
ADAM: Ué, aquela lá do cara que se
matou, foi em 2006 ou algo assim, não
tá lembrando? Certeza que eu contei.
Ele tava usando sempre um monte de
cachecol. Aí quando acharam ele,
tinha um cachorro junto, mas ninguém
sabia que ele tinha um pra começo de
conversa, e depois descobriram que
naquele mesmo dia ele tinha ido pegar
o bicho em um canil.
WALTER: Tá, é mesmo! Deus do céu.
Tem cada tipo.
ADAM: Adotar o cachorro no canil, ir
direto para casa e se enforcar na
frente do cachorro. A humanidade é
isso aí.
(Os desvios, 2018)
ADAM: Ja, aber echt. Ich hab schon
von einigen Selbstmorden gehört, aber
das schlägt wirklich alles. Bislang hab
ich gedacht, dass der Hund damals der
Höhepunkt war.
WALTER: Ich ruf da mal an.
ADAM: Wirklich?
WALTER [tippt ins Handy, bricht
ab]: Welcher Hund damals?
ADAM: Na der Typ, der sich
umgebracht hat, 2006 oder so, weißt
du nicht mehr? Ich hab dir sicher
erzählt davon. Der immer mit den
vielen Schals. Bei dem sie dann den
Hund gefunden haben, und keiner
wusste, dass er einen hatte, und dann
wurde klar, dass er ihn sich am selben
Tag aus dem Tierheim geholt hatte?
WALTER: Ah ja, genau! Gott. Die
Leute.
ADAM: Hund aus Tierheim holen, dann
direkt nach Hause und sich vor dem
Hund aufhängen. Das ist echt so
Menschheit.
(Die Abweichungen, 2018)
“Surpreendentemente versátil, com um conhecimento enciclopédico e com uma riqueza de imaginação poética e linguística, Clemens Setz demonstra uma atualidade radical, que consegue comprovar, livro após livro, a beleza e a obstinação da grande literatura.”1 Foi com esta frase que a Deutsche Akademie für Sprache und Dichtung [Academia Alemã de Língua e Literatura] laureou o autor austríaco Clemens Setz com o prêmio Georg Büchner, pelo conjunto da sua obra literária. Na ocasião, em novembro de 2021, ele estava com 38 anos. Com este que é considerado o galardão máximo de toda a literatura germanófona, o escritor passou a pertencer a um rol notável de ficcionistas de língua alemã, do passado e do presente, como seus conterrâneos Ernst Jandl, Elfriede Jelinek e Peter Handke, além de alguns outros nomes da ficção germânica, de George Tabori e Elias Canetti a Heinrich Böll e Günter Grass. Para os acadêmicos, ele é detentor de uma “drasticidade por vezes perturbadora que corta como uma faca o coração do nosso presente por se pautar em um impulso profundamente humanista.”2 Clemens Setz nasceu em Graz, cidade no sudeste da Áustria, em novembro de 1982. Foi estudante, a partir de 2001, de matemática e germanística na Universität Graz, sem, contudo, concluir os cursos. Ele estreou na prosa de ficção em 2007 com Söhne und Planeten. Dois anos depois, seu segundo romance, Die Frequenzen, foi finalista do Deutscher Buchpreis. De lá para cá, é atualmente autor de seis romances, quatro livros de contos, seis peças de teatro, uma coletânea de poesia e um roteiro de cinema, em coautoria, além de diversas contribuições ensaísticas, jornalísticas e tradutórias. De acordo com Iris Hermann, pesquisadora e docente da Universität Bamberg, coorganizadora da coletânea de artigos Es gibt Dinge, die es nicht gibt, a literatura setziana, como um conjunto, é complexa, desconcertante e enigmática. Suas histórias são um infindável jogo de possibilidades, excessos, surtos de descrição e opulências imagéticas.3 Diferentemente de seus colegas ficcionistas da atualidade, Clemens Setz parece ser um outsider, um pária literário, sem escola e sem tendência, principalmente porque “se recusa a seguir uma corrente comum da literatura germanófona contemporânea, que, poderíamos dizer, de um modo um pouco genérico, se submete a um paradigma realista.”4 Ele é um skurriler Schriftsteller, um escritor bizarro, visto que “inventa as mais bizarras situações narrativas que consegue encontrar”5, e uma ferramenta para assim fazer é sua versatilidade estilística. Estruturalmente, a linguagem setziana pode parecer
como um jogo de computador, ou um filme, como os livros do David Foster Wallace, uma partida de xadrez, um tuíte, a narração de um robô ou ampliações parecidas de procedimentos narrativos habituais. Toda a diversidade midiática, em que podemos pensar, possui no entanto um ponto em comum, que é a ação do acaso, a justaposição heterogênea, a colagem, para a qual todas as mídias estão igualmente à disposição6
Millenial e excêntrico, Clemens Setz é então um escritor mosaicista, e sua dramaturgia não tem nada de monótona. Rápidas e fragmentárias, suas peças quase sempre se iniciam in medias res. Frases ficam pela metade, entram e saem personagens, cenários distintos são distinguíveis por um único móvel, enquanto saltos de tempo acontecem sem que a plateia sequer possa perceber. Existe algo implícito, que exige dos espectadores um tipo aguçado de contemplação. Comumente, por exemplo, cenas inteiras são compostas por interações telefônicas, em que se escuta somente um dos lados da linha. Ainda, no fundo do palco, projeções de vídeos, mensagens e fotos costumam contracenar com os atores. Com facilidade o autor austríaco consegue mesclar recursos audiovisuais, imagens, aparelhos eletrônicos e objetos lúdicos com anedotas aleatórias, diálogos coloquiais e explosões verborrágicas para avançar através do enredo. A despeito disso, não fica faltando nada, pois ato a ato estes retalhos a princípio avulsos vão tramando uma urdidura total, que é múltipla, orgânica e interpretável de diversas perspectivas. Drama de 2022, Der Triumph der Waldrebe in Europa [O triunfo das trepadeiras na Europa] é uma amostra deste mosaicismo. A abertura é um vlog no YouTube, que continua com slides de PowerPoint, postagens no Instagram e notificações no WhatsApp. A coluna dorsal é uma entrevista que tem que repetidamente recomeçar por transtornos técnicos, à medida que o foco cênico fica oscilando entre os protagonistas e os coadjuvantes, mas sem deixar de fora a coerência e consequentemente o entendimento por parte do público, evidência do quão cautelosa é a criatividade do dramaturgo, que entrega uma obra dramática provocativamente vanguardista. Tanto neste trabalho, como também em outros casos, Clemens Setz demonstra não ter dificuldade em tecer diferentes estilos e estruturas de linguagem e de comunicação, montando um mosaico heterogêneo mas harmônico, que é espelho legítimo de uma coletividade hiperconectada. Como consequência, também a tecnologia é temática nevrálgica dentro de seus textos teatrais. Em um espetáculo específico, o protagonista é usuário de uma enigmática plataforma digital que escuta tudo que ele escuta, e então diz tudo que ele dever dizer. Em outra obra, quase todos os diálogos ocorrem à distância, por telefonemas. E a montagem do seu trabalho dramatúrgico mais recente oferece à audiência a projeção de um único vídeo, de cinquenta e três minutos e quarenta e três segundos, feito pela câmera de um computador, no lugar de atores fisicamente sobre o palco, diante do público. Ainda assim, para Clemens Setz, o problema não parecem ser os celulares, as redes, os algoritmos, a retroalimentação na internet ou a alienação midiática. Estes onipresentes ingredientes tecnológicos seriam senão ferramentas ou de exagero ou de mera exposição de comportamentos preexistentes dos próprios indivíduos, falhas de caráter ou desvios psicológicos que não nasceram com a tecnologia. Ou ainda, as personagens setzianas, que nem nós, preferem acusar os aplicativos e os sites, culpar os computadores e os smartphones, em vez de encarar com responsabilidade vicissitudes muito mais tangíveis e humanas, que sempre só soubemos varrer tapete abaixo. Atenta às questões éticas e sociais das revoluções tecnológicas da contemporaneidade, contudo se safando de clichês e quaisquer pessimismos neoludistas, a dramaturgia setziana não nos adianta a distopia e a absurdidade do futuro, mas mostra sem fantasias como foi que chegamos afinal aqui, em que é tudo tão distópico e absurdo. Pioneiro sem ser militante, lúcido sem ser hiperbólico, Clemens Setz dramatiza as minúcias, as manias, os vislumbres, os cochichos, as notas de rodapé da consciência e do convívio, e em dramas de extraordinária originalidade traz à tona e põe debaixo das luzes do palco tudo aquilo que por tanto tempo foi ficando à sombra.
Obra dramatúrgica
Vereinte Nationen [Nações Unidas].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2016.
*Estreou em 10 de janeiro de 2017, no Nationaltheater Mannheim, sob direção de Tim Egloff
103 usuários de uma plataforma virtual pagam para assistir a gravações que Anton e Karin fazem com sua filha, Martina, sem que ela saiba que está sendo gravada. Eles escondem câmeras atrás de caixas de cereal na cozinha, ou nas prateleiras em cima da cama, e encenam broncas, insultam a criança, inventam pretextos para brigas e castigos, tudo para agradar as solicitações de seus assinantes. “Quebrar todos os brinquedos bem diante dos olhos dela. Pedem demais, sabia disso?”7 A família existe então duplamente, ora com certa naturalidade doméstica, ora em cena para seus espectadores digitais, até certo ponto em que passa a ser difícil para as próprias personagens diferenciarem a atuação daquilo que é espontâneo, e este efeito metateatral, de uma peça dentro da própria peça, atinge também a audiência, que ficará sem saber o que é encenação e o que não é. Em seu drama de estreia, Clemens Setz tenta pôr no palco a teatralidade às vezes absurda das relações interpessoais, ao mesmo tempo que acaba teatralizando o quão longe alguns indivíduos são capazes de ir para criar conteúdo na internet.
Erinnya. [Memorya].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2018.
*Estreou em 14 de novembro de 2018, na Schauspielhaus Graz, sob direção de Claudia Bossard
“Matthias usa um fone de ouvido na cabeça durante toda a peça. A princípio, ele vai falar sempre com um certo delay, um intervalo de mais ou menos um batimento cardíaco entre o que é dito a ele e sua resposta. Constantemente, em especial quando é sua vez de falar, ele empurra o fone um pouco mais para dentro do ouvido, com um dedo. Seu jeito de falar é devagar se comparado com os outros personagens, com uma ou outra prosódia um pouco fora de lugar.”8 Essa nota logo na abertura do texto teatral já antecipa o estranhamento que se encontrará na segunda obra dramática do escritor austríaco. Matthias, protagonista da peça, parece falar apenas depois de ouvir alguma coisa que lhe foi dita em um aparelho que ele usa na orelha. Às vezes frases propícias para a situação, e às vezes um discurso completamente desconexo e sem sentido. Para Tina, namorada de Matthias, toda a situação é bastante habitual, engraçada até. Mas quando vão juntos visitar os pais dela pela primeira vez, a normalidade do relacionamento não aguenta a tensão que então surge e se estabelece entre todos os personagens. Com diálogos cômicos e esdrúxulos, Memorya é uma reflexão a respeito dos limites da linguagem, e da dificuldade que existe em exercer a alteridade através da comunicação.
Die Abweichungen [Os desvios].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2018.
*Estreou em 17 de novembro de 2018, no Staatsschauspiel Stuttgart, sob direção de Elmar Goerden
Jennifer Jassem foi diarista para diferentes pessoas até se enforcar em um armário de vassouras. Além do corpo, a polícia achou caixas com maquetes das casas de seus patrões, com móveis bem pequenos, bonequinhos dentro dos cômodos, todos os mínimos detalhes. Esses dioramas de algum modo acabam em uma galeria, para uma exposição póstuma. Só que a faxineira acrescentou em cada réplica algo que não condizia com a realidade. Na dos Uhlmann, uma máquina de bilhetes no lugar da geladeira. Na dos Schab, um crocodilo de plástico no corredor. Na dos Kaindl, duas crianças no quarto ao invés do único filho do casal. Todas as casinhas contêm um desvio, algo que não era para estar ali, uma ninharia, uma miudeza, cuja pequenez, no entanto, não evitará que as famílias envolvidas fiquem perplexas e comecem a questionar a si mesmas, quebrando de dentro para fora, em uma espiral de obsessão e de paranoia que culminará em ataques de pânico, ameaças, brigas de casal, processos jurídicos e divórcios. Mostrar como coisas minúsculas também têm potencial para catástrofe. Talvez seja este o ponto central da trama de Clemens Setz, que é ele próprio personagem secundário deste drama.
Flüstern in stehenden Zügen [Cochichos dentro de trens].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2021.
*Estreou em 18 de maio de 2021, na Schauspielhaus Graz, sob direção de Anja Michaela Wohlfahrt
C é um técnico de informática solteiro e solitário que passa todas as suas noites de pijama no quarto, falando no telefone. Com quem é que ele conversa? Com golpistas e remetentes de spam, agindo como se fossem funcionários de agências bancárias ou operadores de telemarketing, tentando tirar dinheiro e senhas de seus interlocutores. C sempre sabe quem é que está do lado de lá da linha, mas ainda assim disfarça, fingindo cair em cada uma das fraudes, com o objetivo único de continuar com as conversas. Ele então falsificará informações, inventará dados, simulará tudo que conseguir, em uma tentativa bizarra de batalhar contra sua solidão. Escrito durante a pandemia do coronavírus, este drama mescla momentos de ácida comicidade e forte tragicidade, forçando nós mesmos a interrogarmos o que é que nos isola dos demais. Uma adaptação deste espetáculo em peça radiofônica foi premiada pela Deutschen Akademie der Darstellenden Künste [Academia Alemã de Artes Performáticas], em junho de 2021.9
Der Triumph der Waldrebe in Europa [O triunfo das trepadeiras na
Europa]. Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2022.
*Estreou em 13 de outubro de 2022, no Staatstheater Stuttgart, sob direção de Nick Hartnagel
David Herzer, de oito anos de idade, é vítima fatal de um acidente de automóvel. Seus pais, Renate e Konrad, não aceitam assim tão facilmente a perda do filho. Ao invés de enfrentarem o luto, eles encontram uma maneira inusitada de trazer a criança de volta à vida, dentro de um programa de computador. Através da internet a notícia vai viajar pela cidade, pelo país, a ponto de polarizar a opinião pública sobre o caso. A mãe dará entrevistas para noticiários, lerá mensagens ora de suporte, ora de ódio em seu blog, e lutará pelos direitos do filho, enquanto o pai cena a cena dará indícios de que talvez esteja começando a duvidar daquilo tudo. Em um mosaico cênico e audiovisual, o vencedor do Georg Büchner de 2021 compõe uma performance contemporaneíssima a respeito da distância entre aquilo que é real e aquilo que é artificial no ambiente cibernético.
Rot [Vermelho].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2022.
*Estreou em 24 de novembro de 2022, na Berliner Ensemble, sob direção de Kristina Seebruch
Fabian Michael Möntges entra em uma escola com latas de gás tóxico e depois da chacina se suicida. Pouco antes do atentado, ele publicou na internet um manifesto multimídia, em que explicava suas razões e suas intenções. Mas no computador da sua casa as autoridades encontraram quarenta e três tentativas de gravação deste mesmo vídeo. A peça setziana nada mais é senão um mesmo monólogo em vários vídeos, uma espécie de ensaio em muitas sessões, descontínuas por causa de gafes, interrupções e problemas técnicos. Novamente, Clemens Setz traz ao teatro uma representação de comportamentos maníacos, a partir do retrato ridículo de uma figura fanática e emocionalmente perturbada. Uma montagem do drama, pela Berliner Ensemble, está disponível digitalmente, com áudio em alemão, no site da companhia teatral.10
Trechos traduzidos
Erinnya. [Memorya].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2018
Chegada na casa de Michael e
Friederike. Tina entra com Matthias.
As saudações são um pouco rígidas e
deselegantes, atrapalhados apertos de
mãos, uma por cima da outra. Matthias
está com seu fone de ouvido.
MICHAEL: Finalmente as devidas
apresentações. É um prazer.
Ele estica a mão para Matthias.
Matthias, segurando seu fone de
ouvido, ouve alguma coisa por um
instante.
MATTHIAS: O prazer é meu, vai bem.
MICHAEL: Sim, sim. Tudo bem.
FRIEDERIKE: Vamos entrando, vamos
entrando.
Entram na cozinha, já tem uma coisa
ou outra pronta para o jantar, se
sentam.
MATTHIAS para Tina: Está tudo uma
beleza.
TINA: É. A gente tá muito feliz por,
tipo, que bom que tá todo mundo se
conhecendo, finalmente.
MICHAEL: Bem, você nós já
conhecíamos.
Friederike ri. Matthias ri também,
com um leve delay. Friederike
mostra a lebre assada que
ela preparou. É bem grande. MATTHIAS: O corpo é muito maçudo.
Como orações.
MICHAEL: Como é que é?
TINA: Nada não. Só uma piada
interna.
MICHAEL: Então tá.
Pausa.
MATTHIAS com o dedo no fone de
ouvido: Mas o que eu penso é o
seguinte. Se você for puxar o zíper do
pescoço de um avestruz. Vai ver ele
corre com um arame bem fino. Não
tem como saber.
Pausa. Michael olha para Friederike.
MICHAEL: Arrá. E depois?
MATTHIAS: Depois o maçudo vai
correndo, é. O corpo. Mas até
quando?
Riem educadamente, Tina em
especial.
MATTHIAS: Corre, corre, até não ter
mais contato com a terra, e isso pode
demorar. Como orações.
Risadas educadas.
MICHAEL: Pois é, deve ser assim
mesmo. Arrã.
TINA: A lebre tá com uma cara
ótima.
MATTHIAS: Talvez as girafas tenham
um problema parecido também.
FRIEDERIKE: Que imagem mais
esquisita!
Ela traz a comida até a mesa.
MATTHIAS: Bom, elas têm coluna
vertebral e tal, não deve ser fácil de
cortar.
TINA exagerando, com ênfase àquilo
que Matthias falou: Isso mesmo, então
ela só vai ficar machucada, no
máximo.
MATTHIAS: E brava. Girafas são
difíceis demais.
Colocam um prato na frente dele.
Empfang im Haus von Michael und
Friederike. Tina ist mit Matthias
eingetreten. Bisschen steife,
unelegante Begrüßung, versehentliche
Überkreuz-Griffe beim Händeschütteln.
Matthias trägt sein Headset.
MICHAEL: Endlich lernen wir uns
kennen. Freut mich sehr.
Er gibt Matthias die Hand. Matthias,
fasst sich ans Headset, lauscht
kurz.
MATTHIAS: Ich freu mich auch sehr,
geht gut.
MICHAEL: Ja. Wunderbar.
FRIEDERIKE: Aber kommt doch rein,
kommt rein.
Man tritt in die Küche, dort steht schon
einiges fürs Abendessen bereit. Man
setzt sich hin.
MATTHIAS zu Tina: Das ist alles sehr
schön.
TINA: Ja. Wir sind wirklich froh, dass
wir mal, also, dass wir uns endlich alle
mal sehen.
MICHAEL: Naja, dich kennen wir ja
schon.
Friederike lacht. Matthias lacht
ebenfalls, mit leichtem Delay.
Friederike zeigt den gebratenen
Hasen, den sie vorbereitet hat. Er ist
sehr groß. xMATTHIAS: Der Körper ist sehr
massig. Wie Gebete.
MICHAEL: Bitte?
TINA: Ah, gar nichts. Nur so ein
Insiderwitz.
MICHAEL: Ach so.
Pause.
MATTHIAS kurz Finger am Headset:
Aber was ich mir denke. Wenn du
einem Vogel-Strauß den Hals
durchzippst. Vielleicht rennt er durch
einen feinen Draht. Weißt du ja nicht.
Pause. Michael schaut Friederike an.
MICHAEL: Aha. Und dann?
MATTHIAS: Dann rennt das Massige
unten weiter, ja. Der Körper. Aber wie
lang?
Man lacht höflich, Tina besonders.
MATTHIAS: Er rennt, bis er endgültig
den Kontakt zur Erde verloren hat, und
das kann dauern. Wie bei Gebeten.
Höfliches Lachen.
MICHAEL: Ja, ja, so ist das wohl.
Mhm.
TINA: Der Braten schaut sehr lecker
aus.
MATTHIAS: Ähnliches Problem
vielleicht auch bei Giraffen.
FRIEDERIKE: Das ist ein schräges
Bild.
Sie bringt das Essen an den Tisch.
MATTHIAS: Aber gut, die hat
Wirbelsäule und so, das schneidet
man nicht so leicht durch.
TINA extra und mit Nachdruck
eingehend auf das, was Matthias sagt:
Stimmt, sie ist dann nur verletzt
höchstens.
MATTHIAS: Und sauer. Giraffen sind
sehr extrem.
Ein Teller wird vor ihn hingestellt.
Vereinte Nationen [Nações Unidas]
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2017
ANTON: Que tal você fazer os vídeos
então, se é tão importante pra você?
Com certeza você consegue fazer
melhor que eu.
KARIN: Fazer melhor o quê?
ANTON: Atuar.
Karin demora para processar aquilo
que escutou.
KARIN: Atuar. É assim que você
entende? Atuar. Interessante. Vai
falando. Não vou interromper. Vai
fundo, vai.
ANTON: Sem essa, eu vi muito bem
você brincando com ela mais cedo.
KARIN: Mas que merda tem de errado
com isso?
ANTON: Foi fingido. Totalmente
fingido. Você nunca faz nada assim.
Sei lá o que é que foi aquilo. Mas não
era de verdade.
ANTON: Mach du die Videos, wenn dir
so viel dran liegt. Du kannst es sicher
besser als ich.
KARIN: Kann was besser?
ANTON: Schauspielern.
Karin lässt das Gehörte
einwirken.
KARIN: Schauspielern. So verstehst
du das? Schauspielern. Interessant.
Red nur weiter. Ich unterbreche dich
nicht. Reite dich weiter rein.
ANTON: Na ich hab doch gesehen,
wie du heute Früh mit ihr gespielt hast.
KARIN: Was zum Teufel hat dir daran
nicht gepasst?
ANTON: Das war fake. Total fake. So
was machst du doch sonst nie. Ich hab
keine Ahnung, was das war. Aber es
war nicht echt.
Flüstern in stehenden Zügen [Cochichos dentro de trens].
Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2021.
C: Tô indo já.
Ele liga no laptop ruídos de fundo,
barulhos urbanos.
C: Western Union. A melhor em casos
como esse.
ENCARREGADO: É.
C: Nossa Senhora, tô aqui na rua já, e
tá tão lindo o dia.
E: Quando o senhor chegar na
agência –
C: Pera aí, um segundo, só um
segundo, tá passando um cachorro
aqui, preciso fazer carinho nele,
parece tão bonzinho… você é? claro
que é, isso, bom garoto, bom garoto, e
essas orelhas, que garoto bonzinho, é
sim, é tão…
E: Na agência –
C: E as árvores estão tão diferentes
hoje, tão animadoras. O que é que
você acha, será que tem alguma coisa
no ar?
E: Hã, assim que o senhor chegar na
agência –
C: Tá, é que eu ainda não cheguei. Tô
a caminho. Quase lá, quase lá. Não dá
nem pra acreditar como tá bonito o dia
hoje. Parece que foi feito por uma
ovelha. Tudo tão banhado de luz. As
nuvens, as casas. Até as pessoas têm
tipo um brilho atravessando por elas,
como se fossem feitas de cristal, que
nem aqueles anjos nos telhados das
casas. Sagrado, é essa a palavra que
eu quero. Isso, sagrado. É uma luz
sagrada mesmo. Faz com que a gente
se sinta parte do todo.
E: O senhor já está na –
C: Tá, tá, quase lá. Tô até vendo já.
Western Union, Western Union. Melhor
negócio do mundo. Chegamos. Tô na
frente do prédio.
E: Certo.
C: […] Fala pra mim o que é que eu
faço agora, por favor.
E: O senhor tem que entrar na agência
da Western Union.
C: Agência, legal, pode deixar.
E: O senhor tem que entrar na
agência.
C: É, essa palavra já apareceu
bastante nessa nossa conversa.
Agência. Que loucura, olha o tamanho
dessa fila, tá até aqui fora. É gente à
beça. Fico na fila, né? Ou é melhor
furar, qual a sua opinião? Afinal é uma
emergência. Vai que acaba a minha
bateria. Eu posso até ir abrindo
caminho com meus cotovelos, se você
não vê problema nisso.
Pausa, ruídos.
C: O sol tá tão bonito hoje. Se minha
mãe estivesse aqui. Ela ficaria
orgulhosa desse planeta. Sabe, ela
costumava ser bem crítica com ele,
tipo com a totalidade das coisas. Com
tudo que está acontecendo na Terra, e
inclusive tudo que vai acontecer no
futuro. Clima. Daria até para dizer que
ela era completamente contra a
criação. Mas mesmo assim eu tenho o
pressentimento que ela ia gostar
desse sol brilhando aqui. Dá uma
olhada em quanta santidade, Deus do
céu. É como se tivessem derramado
um balde daquele cristianismo
primitivo. Tudo encharcado de
eucaristia.
E: Na agência o senhor pode dizer –
C: Agência, tá, com certeza! Eu confio
plenamente na agência da Western
Union, vou entrar lá agora mesmo e
daí vai chegar todo o dinheiro, dois
meses de conta de luz, já tô entrando,
se prepara, se prepara, tá vindo a
grana.
Pausa. O encarregado não diz nada.
C: Sabe, minha mãe morreu na
explosão. Por isso pensei que com
essa luz aqui ela ia… É uma luz tão
pacífica. Tudo parece tão delicado, tão
pensado, tão proposital. Coisa rara de
ver. É como se esse cenário não
tivesse sido montado faz cinco
minutos, mas na verdade foi preparado
para nós, pra nos receber, com algum
propósito. Alô? Tá aí ainda?
E: Estou, alô.
C: Se ela conseguisse me ver hoje, se
ela soubesse… Você acha que ela
ainda consegue me ver, de algum
jeito? Mesmo ela estando morta, e tal.
E: É, o senhor por acaso já chegou na
agência?
C: Ich gehe grad los.
Er schaltet auf dem Laptop
Hintergrundgeräusche ein, die
Straßenlärm beinhalten.
C: Western Union. Ist wirklich das
beste in solchen Fällen.
SACHBEARBEITER: Ja.
C: Mein Gott, ich geh hier gerade so
auf der Straße, es ist so ein schöner
Tag.
S: Wenn Sie bei Filiale sind –
C: Warte, Sekunde, nur eine Sekunde,
ich muss kurz einen Hund streicheln
gehen, der schaut so lieb… jooo, bist
du ein großer Bursche? Ja so ein
großer Bursche bist du, mooo… und
weiche Ohren hast du, so ein braver
Bursche, ja so ein…
S: Wenn Filiale –
C: Und die Bäume sehen heute auch
so komisch aus, so beseelt. Was
meinen Sie, liegt da was in der Luft?
S: Äh, wenn Sie bei Filiale sind, bitte –
C: Ja, so weit bin ich noch nicht. Ich
bin noch aufm Weg. Aber gleich,
gleich. Wahnsinnig schöner Tag heute.
Wie von einem Schaf erdacht. Alles
sehr lichtdurchflutet. Die Wolken, die
Häuser. Sogar die Menschen haben so
etwas Bergkristallartig-
Durchscheinendes heute, wie Engel
auf Hausdächern. Heilig, das ist das
richtige Wort dafür. Ja, heilig. Ein
richtig heiliges Licht. Es macht einen
ganz erdverbunden.
S: Sind Sie schon bei –
C: Pfff, jaja, sofort. Ist schon in Sicht.
Western Union, Western Union. Beste
Sache der Welt. Da sind wir schon. Ich
stehe jetzt vor dem Gebäude.
S: Okay.
C: […] Was muss ich als nächstes
machen, bitte mir sagen.
S: Sie gehen in Western Union
Filiale.
C: Filiale, aha, ja.
S: Sie gehen in Filiale.
C: Ja, das Wort fällt in dieser
Unterhaltung bereits ziemlich oft.
Filiale. Wahnsinn, hier ist eine lange
Schlange, sie geht bis draußen. Lauter
Leute. Ich stell mich mal an, oder?
Oder soll ich mich vordrängeln, was
meinen Sie? Weil es geht ja um was.
Ich bin im Begriff, die Stromzufuhr für
mein Heimlazarett zu verlieren. Da
könnte ich schon mit den Ellbogen
nachhelfen, wenn Sie das für richtig
halten.
Pause, Geraschel.
C: Die Sonne ist so dermaßen schön
heute. Wenn das meine Mutter sehen
könnte. Sie wäre stolz auf den
Planeten. Wissen Sie, sie hat früher oft
auf ihn geschimpft, also auf die
Gesamtheit. Auf all die Dinge, die auf
der Erde vor sich gehen, selbst auf alle
zukünftigen Dinge. Klima. Ihre
Ablehnung der Schöpfung war also
recht vollständig, könnte man sagen.
Aber trotzdem hab ich das Gefühl,
dass ihr dieser Sonnenschein hier
gefallen hätte. Schau dir diese Pracht
an, du liebe Zeit. Als wäre ein Topf
Urchristentum ausgelaufen. Alles
getränkt in Eucharistie.
S: In Filiale Sie sagen –
C: Filiale, jaaa, genau! Ich setze
wirklich alle Hoffnungen auf die Filiale
der Western Union, ich gehe da jetzt
rein und dann kommt das Geld, zwei
Monatszahlungen, für Strom, in eure
Richtung, jetzt geht gleich los, sei
bereit, sei bereit, hier kommt gleich
Geld.
Pause. S sagt nichts.
C: Wissen Sie, meine Mutter ist bei der
Explosion umgekommen. Deshalb hab
ich gedacht, dass ihr das Licht hier…
Es ist so ein friedliches Licht. Alles
wirkt so zart, so gewollt, so absichtlich.
Das gibt’s nur ganz selten. Dass die
ganze Umwelt so aussieht, als wäre
sie nicht erst vor fünf Minuten
hingewürfelt worden, sondern eben
willkommen, für uns, wohleingerichtet,
sinnvoll. Hallo? Sind Sie noch da?
S: Ja, hallo.
C: Wenn sie mich so sehen könnte
heute, wenn sie wüsste… Glauben Sie,
dass sie mich irgendwie sieht? Obwohl
sie gestorben ist.
S: Ah… sind Sie schon in Filiale?
Algumas obras
Romances
- Söhne und Planeten. Sankt Pölten: Residenz Verlag, 2007.
- Die Frequenzen. Sankt Pölten: Residenz Verlag, 2009.
- Indigo. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2012.
- Die Stunde zwischen Frau und Gitarre. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2015.
- Monde vor der Landung. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2023.
Coletâneas de contos
- Die Liebe zur Zeit des Mahlstädter Kindes. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2011.
- Glücklich wie Blei im Getreide. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2015.
- Der Trost runder Dinge. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2019.
Livros de poesia
Die Vogelstraußtrompete. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2014.
Outros títulos
Bot. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2018.
Die Bienen und das Unsichtbare. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2020.
Recepção no Brasil
- MELLO, Gabriel de Almeida Munhoz de. Os vislumbres do absurdo na
- dramaturgia de Clemens Setz. Monografia de conclusão de curso (Bacharelado em
- Letras) – Faculdade de Letras da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2023.
- Disponível em http://www.humanas.ufpr.br/portal/letrasgraduacao
- /curriculos/monografias/monografias-2023/
- PEREIRA, Valéria Sabrina. Experimentelles Erzählen in einem postmodernen
- Thriller. Indigo von Clemens J. Setz. In: XV CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO
- LATINOAMERICANA DE ESTUDOS GERMANÍSTICOS, 2014, Curitiba. 15.
- Kongress des Lateinamerikanischen Germanistenverbandes. Curitiba:
- Quadrioffice, 2014, página 159.
- SCHADE, Robert. Literatura e algoritmo. A questão do autor em fuga em Ítalo
- Calvino e Clemens Setz. Contingentia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
- volume 7, número 2, páginas 73 a 83, 2019.
Referências
1DEUTSCHE AKADEMIE FÜR SPRACHE UND DICHTUNG. Urkundentext. 6 de novembro de 2021. Disponível em https://www.deutscheakademie.de/de/auszeichnungen/georg-buechner-preis/clemensj-setz/urkundentext. Acesso em 3 de agosto de 2023.
2Idem.
3HERMANN, Iris. PRELOG, Nico (organizadores). Es gibt Dinge, die nicht gibt: Vom Erzählen des Unwirklichen im Werk von Clemens J. Setz. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2020, página 14.
4Ibidem, página 7.
5Ibidem, página 13.
6Ibidem, página 10.
7SETZ, Clemens. Vereinte Nationen. Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2016, página 63. No original, em alemão: “Alle ihre Spielzeuge zerstören vor ihren Augen. Das wird sehr oft gewünscht, weißt du?”
8SETZ, Clemens. Erinnya. Berlim: Suhrkamp Theater Verlag, 2018, página 1. No original, em
alemão: “Matthias trägt das ganze Stück hindurch ein Headset. Er spricht grundsätzlich immer mit leichtem Delay, etwa einen Herzschlag länger Pause zwischen dem zu ihm Gesagten und seiner Antwort. Immer wieder drückt er, besonders wenn er mit Sprechen dran ist, mit einem Finger das Headset ein wenig zurück in sein Ohr. Seine Sprechweise ist etwas langsamer als die der anderen Figuren, mit einem oder mehreren ein klein wenig falsch betonten Satzteilen.”
9https://www.suhrkamptheater.de/nachricht/hoerspiel-des-monats-juni-fluestern-in-stehenden-zuegenvon-clemens-j-setz-b-3308
10https://www.berliner-ensemble.de/rot
